AS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS POR ÍNDIOS E A TESE DO MARCO TEMPORAL DA OCUPAÇÃO APLICADA ÀS DECISÕES JUDICIAIS NO RIO GRANDE DO SUL NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XXI

  • João Paulo Rocha de Miranda Universidade Federal do Pampa
  • Katia Gobatti Calça Universidade Federal do Pampa

Resumo

INTRODUÇÃO: Este trabalho visa traçar um panorama de como a tese do marco temporal da ocupação tem sido aplicada para julgar lides envolvendo a luta jurídica dos indígenas pela terra no Estado do Rio Grande do Sul na segunda década do século XXI. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A presente pesquisa inicia conceituando povos indígenas como aqueles que descendem de povos originários, que se autodeterminem como tal e conservem suas próprias instituições socioeconômicas, culturais e/ou políticas (OIT, 2011, p. 11). Na sequência, é trazido o conceito constitucional de terras tradicionalmente ocupadas por índios como aquelas “[...] habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (BRASIL, 1988). Portanto, é possível inferir do texto constitucional que há “[...] o reconhecimento não apenas da ocupação física das terras habitadas pelos indígenas, mas também da ocupação de toda uma extensão de terras necessárias ao resguardo cultural e à manutenção de práticas econômicas e religiosas de cada povo” (CUPSINSKI et al., 2017). Não obstante, tal conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontre respaldo nos tratados internacionais, no texto constitucional e na doutrina, esta vertente foi relativizada com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a qual inovou na ordem jurídica ao criar novo parâmetro para a demarcação de terras naquele caso concreto, o que foi conhecido como a tese do marco temporal da ocupação (PEGARORI, 2017, p. 7). Esta “tese, afirma que os índios só teriam o direito à posse de terras tradicionalmente ocupadas por eles, a partir da data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, a menos que comprovassem o efeito do renitente esbulho” (MIRANDA; WAURA, 2018), isto é, ao menos que fiquem comprovados a existência de “[...] conflitos possessórios ocorridos no passado persistidos até marco demarcatória temporal, ou pelo menos tenham ocorridos controvérsias possessórias judicializadas (MIRANDA; WAURA, 2018). Assim, pode-se classificar a junção dos conceitos do marco temporal e do renitente esbulho de “espoliação dos direitos fundamentais dos índios” (SILVA, 2015, p.24). Embora tecnicamente o STF tenha esclarecido nos embargos de declaração quanto ao efeito inter partes da sua decisão, entendendo ser “[...] desprovida de força vinculante, em sentido técnico” (BRASIL, 2014), por outro lado, afirmou que os fundamentos adotados ostentam “força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País” (BRASIL, 2014). Tal feito tem influenciado as decisões dos magistrados por todo o país, que, no momento de definirem se a área em litígio configura terra tradicionalmente ocupada por indígenas ou não, muitas vezes, aplicam o marco temporal da ocupação aos moldes da decisão do STF, em vez de se basearem em dados antropológicos que indicam elementos da ocupação indígena da área, como é demonstrado nesta investigação, ao analisar a luta dos povos indígenas no Rio Grande do Sul, o que será comentado mais adiante. MATERIAL E MÉTODOS: Para tanto, metodologicamente foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais. As pesquisas bibliográficas se ativeram às doutrinas e às normas, a fim de fundamentarem os conceitos, embasando a análise dos resultados obtidos na pesquisa documental. Esta se deu especialmente aos acórdãos referentes aos recursos de apelação, originários de ações possessórias de terras localizadas no território gaúcho, envolvendo indígenas, na última década. Quanto ao método foi adotado o dedutivo, partindo dos conceitos gerais para depois tratar da aplicação da tese do marco temporal da ocupação nos últimos dez anos no território gaúcho, o que é feito a partir da pesquisa documental referentes às jurisprudências do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4). CONCLUSÃO: Diante do exposto, esta pesquisa demonstra que esta luta judicial pela terra na última década, tem resultados majoritariamente desfavoráveis aos indígenas gaúchos. Por fim, é demonstrado que, em um quinto dos processos estudados houve a aplicação da jurisprudência do STF relativa ao marco temporal da ocupação, o que sinaliza, nesses casos, pouco reconhecimento jurídico dos indígenas como indivíduos de direito originário à terra, o que não traz a necessária justiça social aos descendentes dos povos originários que habitavam o que hoje é o Estado do Rio Grande do Sul.

Publicado
2020-12-11