JUSTIÇA AMBIENTAL, DIREITO À ÁGUA E O PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO-CORSAN

  • Giovani Orso Borile
  • Débora Bós e Silva
  • Mauren Aurora da Silva Patel

Resumo

INTRODUÇÃO/FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A Organização das Nações Unidas reconheceu em 2010, o direito humano à água e ao saneamento, representando um marco teórico importante, ao estimular a utilização com consciência, para fins de evitar a deterioração da qualidade ou o esgotamento do recurso natural.  (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010) Contudo, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul aprovou em 31/08/21 o Projeto de Lei 211/2021 que autoriza a desestatização da Companhia Riograndense de Saneamento-CORSAN. O processo de privatização é um dilema que divide opiniões e pensadores com relação aos prós e contras do processo de venda de empresas estatais, uma questão complexa de justiça ambiental, visto que “a crise ambiental contemporânea é socialmente desigual e, portanto, não atinge todos em semelhante proporção e intensidade”. (RAMMÊ, 2014, p. 183). Com a CORSAN, o debate seguiu na bandeira insistente da incapacidade de gestão pública e impossibilidade de cumprimento de metas normativas, em detrimento do fortalecimento dos direitos de informação e participação, corolários da justiça ambiental. (SARLET; FERNSTENSEIFER, 2017, p. 216). MATERIAL E MÉTODOS: Os materiais utilizados para o desenvolvimento da pesquisa foram as normativas estaduais, legislações e informativos periódicos, bem como, estudos e publicações em livros e revistas especializadas acerca da temática. Os métodos utilizados foram o analítico e hermenêutico, partindo-se para a averiguação da temática apresentada de forma exploratória em um primeiro momento e após o respectivo processo interpretativo. RESULTADOS E DISCUSSÕES: A proposição apresentada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul funda-se especialmente nas metas do Novo Marco Legal do Saneamento que fixa o ano de 2033 para a universalização dos serviços de água e esgoto, o que se mostrou em ameaça ao funcionamento da estatal, dado que não existe possibilidade estrutural e financeira da CORSAN atingir essa meta com o atual padrão de funcionamento. Entre os principais obstáculos destaca-se a falta de recursos da empresa e do governo estadual para acatar até 2033 o plano de investimentos da instituição, estipulados no montante de R$ 10 bilhões, outrossim, há ainda a reduzida capacidade de obtenção de financiamentos novos, tendo-se em comparação empresas de caráter privado. Ainda, existe o imperativo de uma maximização da eficiência no processo executivo de empreitadas e obras, posto que a empresa imprescinde de triplicar o investimento de R$ 417 milhões efetuado no período de 2020 e não menos complexo tem-se o histórico de baixíssima qualidade no processo de capital expenditure, o CAPEX, despesas e investimentos em bens de capital, ou seja, bens necessários para a produção, sejam eles projetos, licitações, licenças, obras entre outros. Além disso, a Convenção de Aarhus, um dos instrumentos mais relevantes em matéria de acesso à justiça ambiental, estabelece “O direito do público de participar nas discussões sobre projetos ou atividades específicas que possam ter um efeito significativo no ambiente ou saúde, bem como sobre políticas e programas específicos”. (RAMMÊ, 2014, p. 192). O dilema da privatização de uma empresa pública é acalorado ainda mais quando no caso gaúcho há ainda a prévia orquestração da alteração da Constituição do Estado para facilitar a venda de estatais sem a possibilidade do plebiscito, instrumento profundamente democrático e que materializa cabalmente o ideal de participação pública cidadã. A ideia de desestatizar a CORSAN não é unicamente um debate econômico, mas também político e cultural, tendo em vista que a instituição e o processo de venda é um debate público eminente e que requer não somente o desapego para com as instituições sôfregas, mas enseja a adoção de medidas auxiliares e de fortalecimento, uma vez que a água é um elemento de soberania estatal não se vislumbra ser viável a sua entrega para interesses privados, sua privatização é um procedimento temerário. Uma possibilidade seria a abertura prudente e modesta de parte do capital estatal para o mercado privado, permitindo a injeção de auxílio financeiro sem, contudo, sujeitar toda a instituição aos interesses mercantis. 

REFERÊNCIAS

BORILE, G. O.; CALGARO, C. A jusfundamentalização do acesso à água. In: DI LORENZO, W. G;. (Org.). Lei natural e Direito Ambiental. Caxias do Sul: EDUCS, 2017.

BURCKHART, T. R. O Direito Humano à água e Justiça ambiental: Uma análise normativa do Plano Internacional e a situação brasileira. Revista Direito em Debate, v. 24, n. 44, p. 168, 2015.

MARTINS, N. S. V. Práticas de resistência dos empregados públicos da CORSAN de Quaraí-RS com relação ao discurso de privatização. Santana do Livramento: UNIPAMPA, 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução nº 64/292. Disponível em: < https://undocs.org/A/RES/64/292>. Acesso em: 06 set.2021.

RAMMÊ, Rogério Santos. O desafio do acesso à justiça ambiental na consolidação de um Estado Socioambiental. DPU nº 58. Jul-Ago/2014. Seção Especial. Teorias e Estudos Científicos. 2014. 

RIO GRANDE DO SUL. Em segundo turno, Assembleia aprova PEC que retira exigência de plebiscito para venda de estatais. Disponível em:< https://estado.rs.gov.br/em-segundo-turno-assembleia-aprova-pec-que-retira-exigencia-de-plebiscito... >. Acesso em: 06 set. 2021.

RIO GRANDE DO SUL. Constituição Do Estado Do Rio Grande Do Sul. Porto Alegre, 1989.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017.

WEBER, G. E.; DOS SANTOS, S. R. T. Governança corporativa no setor público: um estudo aplicado à Companhia Riograndense de Saneamento. Revista Eletrônica de Ciências Contábeis, v. 9, n. 1, p. 272-300, 2020.

 

Publicado
2022-07-12
Seção
Ciências Jurídicas e Sociais - Resumo Expandido