REVITIMIZAÇÃO E VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO CRIME DE ESTUPRO CONTRA A MULHER NO BRASIL

  • Natália Bossle Demori Universidade de Caxias do Sul
  • Marina Panazzolo
  • Joana Silvia Mattia Debastiani

Resumo

INTRODUÇÃO: O Brasil é um país que se destaca, historicamente, pela violência de gênero. Quando se trata do crime de estupro, os dados são assutadores. No ano de 2019, a cada 11 uma pessoa foi estuprada no país, isso representa um número de 66.348 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável registrados apenas naquele ano, de acordo com dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ainda mais alarmante é o fato que pesquisas apontam que esse número pode chegar a ser dez vezes maior, considerando a subnotificação. Como se não bastasse a violência numerosa causada pela prática do delito em si, após serem vitimadas pelo estupro, as mulheres brasileiras enfrentam novo abuso, quase ou tanto quanto doloroso: a violência institucional. Essa espécie de violência é praticada pelos agentes públicos que, intoxicados pelo patriarcado estrutural, submetem a vítima a corriqueiros questionamentos acerca de seu comportamento, vestimenta e condição. Tal fenômeno, que consiste em nova dor e humilhação, é chamado de revitimização, ou vitimização secundária. Tendo isso em vista, questiona-se: qual a possível forma de evitar a violência institucional e a revitimização de mulheres vítimas de estupro? o MÉTODO utilizado foi o analítico dedutivo, com base na pesquisa bibliográfica, além de apuração de dados quantitativos e qualitativos do crime de estupro no Brasil, a fim de identificar o perfil das vítimas, entendendo os aspectos que envolvem o delito, bem como a análise jurisprudencial de recursos ao segundo grau jurisdicional em casos de sentença absolutória nos crimes de estupro contra mulher. RESULTADOS E DISCUSSÕES: Considerando que o crime de estupro contra mulheres tem origem histórica calcada no sexismo, tema que debateremos mais detalhadamente em momento oportuno, precismos considerar que, muito embora a experiência de ser vítima de estupro, por si só, já seja suficientemente traumatizante, infelizmente o ciclo de violações que envolve esse tipo penal não se encerra com a consumação do delito. Após o abuso sexual, as mulheres tem que lidar com outro trauma, pouco discutido, mas muito frequente: a violência institucional dos agentes públicos que investigam e julgam o crime. A violência institucional praticada contra mulheres vítimas de estupro se torna uma barreira para um atendimento efetivo daquelas que buscam socorro e reparação através do Poder Judiciário. Esse descaso e humilhação com a qual às vítimas são tratadas são um dos principais responsáveis pela subnotificação dos casos de estupro no Brasil. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, estima-se que o número de estupros reais pode ser cerca de dez vezes maior do que os casos que chegam ao conhecimento das autoridades policiais. Tal espécie de violação pode ser considerada como uma violência de gênero, que decorre da estrutura social que privilegia o masculino em função do feminino, tanto no âmbito público como no privado. Juntamente com outras formas de violência de gênero, a violência institucional é um dos fatores contributivos para a manutenção da “cultura do estupro”, que, em resumo, se trata da normalização das violações sexuais praticadas por homens, devido a uma série de fatores sociais de gênero e poder. Assim, percebe-se que, enquanto vítimas de estupro, as mulheres são submetidas a uma dupla violência. Inicialmente, no ato criminoso em si, onde têm sua dignidade sexual violada pelo agente do delito, e, em segundo momento, pelo sistema de justiça criminal que, estando inserido em um contexto de misoginia estrutural, reproduz um tratamento quase criminoso a essas mulheres, que ao buscarem justiça, vivenciam uma cultura de discriminação e humilhação do sistema penal brasileiro. CONCLUSÃO: Infelizmente, os passos para combater a violência institucional e evitar a revitimização caminham lentos. Em 2020, após o precedente do caso de Mariana Ferrer, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que torna crime a violência institucional de agentes públicos que prejudiquem o atendimento à vítima ou à testemunha de violência (PL 5091/20), também punindo a revitimização. A pena prevista para ambos os casos é de detenção de três meses a um ano e multa. O PL ainda está em tramitação no Senado Federal. A fonte do problema e sua consequente possibilidade de transformação não estão unicamente no texto legal, mas têm origem em uma característica intrinsecamente social: o patriarcado. Para que efetivas mudanças ocorram no tratamento de vítimas de estupro, precisamos repensar a forma de fazer e interpretar o direito penal de um ponto de vista que entenda e proteja mulheres, ou seja, através de uma perspectiva feminista.
Publicado
2022-07-12
Seção
Ciências Jurídicas e Sociais - Resumo Expandido